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Feb 7 2012

Entrevista com o técnico de som direto João Godoy: Parte I


“Uma terceira falácia, a reprodutiva, postula que a imagem é criativamente infiel, ao passo que o som é mecanicamente fiel. Na verdade, porém, a captação de som é igualmente criativa; mais que simplesmente registrá-lo, também o manipula e reelabora”.

(Rick Altman, 1992. Sobre as quatro falácias a respeito do som no cinema. Em Sound Theory – Sound Practice)

 

Durante o XV Encontro Nacional da Socine, que se deu no Rio de Janeiro, em setembro, encontramos o técnico de som direto João Godoy, que justo saía de sua participação numa mesa em que se discutia o som no cinema. Doutor em comunicações pela ECA-USP com uma tese que versa sobre os procedimentos de trabalho na captação de som direto em longas-metragens, João Godoy acumula no currículo mais de 20 longas, destacando-se Um Céu de Estrelas (Tata Amaral, 1996), Contra Todos (Roberto Moreira, 2004), Cabra Cega (Toni Venturi, 2004), Casa de Alice (Chico Teixeira, 2007), Não por Acaso (Philippe Barcinski, 2007), O Menino da Porteira (Jerê Moreira, 2009), Quanto dura o amor? (Roberto Moreira, 2009), Bróder (Jeferson De, 2010), Onde está a felicidade? (Carlos Alberto Riccelli, 2011), Hoje (Tata Amaral, rodado em 2011) e muitos outros. João também conta com o reconhecimento de diversos prêmios recebidos em diferentes festivais de cinema nacionais e internacionais.

Nossa entrevista se deu no interior do antigo prédio da UFRJ, na Praia Vermelha, e contou com a participação dos colegas pesquisadores Bernardo Marquez, Ana Luiza Pereira e Kira Pereira. No fim da entrevista também juntou-se à nós o “som diretista” Guga Rocha, que atua principalmente na Paraíba e no Recife. Em quase duas horas de conversa, João contou um pouco sobre sua carreira e sobre questões técnicas e estéticas relacionadas ao trabalho. Pela extensão da entrevista, vamos partilha-la em II posts.

 

Hugo Reis: Bom, não podemos deixar de começar pela clássica pergunta sobre sua trajetória profissional. Como foi seu percurso?

João Godoy: Eu comecei a trabalhar com som direto em 1985, fazendo assistência para o Geraldo Ribeiro e fundamentalmente fazendo cinema publicitário em São Paulo, que é uma realidade muito diferente, relações muito distintas do que a gente tem na prática do longa-metragem, do curta, do cinema de ficção e mesmo do cinema documentário.

Em 1989 eu comecei a fazer minhas primeiras captações como técnico de som direto para curtas-metragens, ainda no esquema de equipamento emprestado, alugado. Esse foi um período muito rico em São Paulo, foi a época do chamado Novo Cinema Paulista, onde uma série de curta-metragistas (Tata Amaral, Beto Brant, Fernando Bonassi, Francisco Cesar Filho – o Chiquinho -, etc.) acabaram arejando um pouco a estética do filme brasileiro no formato de curta-metragem. E como era um esquema menos profissionalizado, orçamentos pequenos, muito de parceria e de amizade, surgiu a possibilidade de novos profissionais começarem a trabalhar, e eu fui um deles. Naquele período trabalhei com a Tata, com o Chiquinho, com Marcio Ferrari, fizemos vários curtas que na época tiveram uma importância bem grande. Trabalhava como microfonista para o mercado publicitário e atuava como técnico nos curtas. Essa foi a minha iniciação no som direto na virada da década de 1990. Em 1995 fiz meu primeiro longa-metragem como técnico de som direto, que foi o primeiro longa da Tata Amaral (Um Céu de Estrelas). Nessa época acabei atuando como técnico de som direto em vários documentários de longa-metragem: A Terra (1997), do Frederic Letang que foi rodado em 1995, O Cineasta da Selva (1997), do Aurélio Michiles que rodamos em 1996, o  (2000), do Ricardo Dias.

 

Bernardo Marquez: E como você conheceu o Geraldo Ribeiro, como você começou a gostar de som?

JG: Eu sou graduado em biologia! Em 1984 eu trabalhava numa produtora independente que produzia um programa para a televisão sobre animais de estimação onde eu fazia produção e, próximo ao grupo que produzia o programa, o Geraldo era referência na área de som direto. Aí eu fui conhecê-lo, mostrei interesse, contatei outros técnicos também, mas acabou rolando com ele a possibilidade de começar a trabalhar. Eu fiz um estágio durante uns 4 ou 5 meses e depois disso passei a trabalhar com ele regularmente. Entre 1987 e 1990 o número de técnicos de som direto em São Paulo era bem reduzido, então o volume de trabalho era muito grande. Em alguns meses chegamos a fazer mais de 20 diárias de publicidade. Naquela época a plataforma de gravação era o gravador magnético analógico Nagra.

 

HR: Depois disso você passou por algum estudo formal?

JG: Não, não tive nenhum estudo formal na área de captação de som direto, aprendi na prática do trabalho. Num processo parecido com aquele que o Michel Chion fala em seu livro, El Cine y sus oficios. Onde a formação do técnico – e foi assim pelo menos numa época do cinema brasileiro – se dava numa relação mestre-aprendiz. Depois, em 1996, eu fui pra universidade fazer mestrado na área de documentário, eu tinha acabado de rodar meu documentário, Vala Comum, e senti necessidade de refletir um pouco sobre o processo de realização, em seguida prestei concurso na USP, e fui contratado pra dar aula nas disciplinas de som, ainda no antigo curso de Cinema e Vídeo do Departamento de Cinema da ECA-USP. Eu fui estudar som de forma sistemática em função do trabalho desenvolvido como docente na universidade. O que é uma formação pouco convencional, com suas vantagens e suas desvantagens.

 

BM: Eu gostaria que você falasse um pouco mais sobre essa relação da academia com o mercado…

JG: É uma relação às vezes difícil de conciliar, o tempo e as exigências do mercado audiovisual são bem diferentes daquelas da academia. Eu acho que o meu doutorado, de certa forma, foi um momento em que eu consegui conciliar a experiência prática (são quase 25 anos) com a academia, num trabalho de sistematização do conhecimento acumulado na prática do trabalho. Porque às vezes é um pouco angustiante a prática do trabalho sem reflexão, você sabe que certos procedimentos ou estratégias dão certo, mas se pensar em termos de desdobramento, de significado, de importância, de modelos… há uma necessidade de refletir, pra poder pensar num método de trabalho e entender um pouco melhor os processos que no dia-a-dia são muito intensos. Muitas vezes você está num set de filmagem e não tem tempo de refletir no que está fazendo. Você tem que fazer funcionar, o tempo é escasso, o sol está caindo e você tem que fazer acontecer né! Só depois, muitas vezes com o filme pronto, ou durante a edição, é que você vai ouvir o resultado e avaliar: “ah, o que eu fiz deu certo… ou não”. Obviamente que com a experiência, as estratégias, ou as opções, são mais facilmente resolvidas. Você aposta numa resolução em função de uma experiência acumulada, você sabe que vai dar certo. Mas em alguns momentos, especialmente no início da carreira, a falta de reflexão pode ser bastante angustiante. Ainda mais dentro da realidade do som direto, que no set de filmagem geralmente tem um espaço extremamente reduzido: o técnico tem que se virar naquelas condições, muitas vezes precárias, esforçando-se para criar as condições necessárias para uma boa captação.

 

HR: Deixando de lado a especificidade de cada projeto, de cada realizador… Existe no seu trabalho uma defesa estética do som direto?

JG: Olha, eu não falaria em defesa estética, eu falaria em defesa de um padrão técnico. Existe um rigor em relação aos parâmetros técnicos que definem a qualidade do som direto e nisso eu sou, ou pelo menos tento ser, intransigente. Não no sentido de brigar, fazer escândalo no set durante a filmagem, mas no sentido, mais pedagógico, de deixar claro para a direção, para a produção, quais são as condições necessárias para a captação de um som direto de qualidade.

Obviamente que essas questões estão relacionadas, esse conjunto de parâmetros que a gente defende do som direto têm uma correspondência, um desdobramento estético. Mas num primeiro momento não é essa discussão que se coloca, se coloca primeiro uma discussão normativa técnica. Tem ruído ou não, o som está claro ou não, é inteligível ou não… é engraçado isso, porque é mais ou menos o que se espera do técnico de som. É mais ou menos o espaço que o técnico de som tem para poder brigar, no sentido de defender que o trabalho que ele está fazendo, de fato, tenha as características necessárias pra ser incorporado na trilha sonora final do filme.

Às vezes a gente enfrenta coisas muito mais óbvias, do tipo: diretor está filmando uma sequência com plano/contra-plano e é um diálogo em que ocorre o “encavalamento” das falas, e você fala pro diretor: “olha, se você filmar o plano e depois o contra plano com essas vozes se encavalando, depois você não vai ter nenhuma liberdade na montagem pra modificar o tempo desse diálogo”. É algo muito básico na verdade, que um diretor de cinema tem que saber, porque qualquer aprendiz de montagem sabe que se uma sequência filmada em plano/contra-plano com os diálogos encavaldos, você está com a sua montagem comprometida. Se nas diversas tomadas esses “encavalamentos” aconteceram sempre no mesmo ponto, perfeito, você vai ter várias opções de escolhas sem mexer no tempo interno do diálogo. Agora, se eles encavalarem em pontos diferentes, corre o risco de não existir material para montar a sequência. Isso é uma coisa muito básica, e às vezes o técnico de som tem que brigar, falar “olha, você não vai montar!”, e não é pra defender uma suposta qualidade do som direto, pra ficar mais limpinho, bonitinho. Parece que fica um pouco nesse registro de uma veleidade técnica e não é isso. Esse é um exemplo quase tolo, porém bastante comum.

Agora quando você pensa em questões mais sutis do som, detalhes de sonoridade, adequação entre o espaço acústico e o quadro de imagem, é uma seara que você não vai conseguir discutir num set de filmagem mesmo.

 

Kira Pereira: Tenho um pouco a impressão de que você tem um cuidado não só com a captação dos diálogos, mas também com um universo sonoro. Queria que você falasse um pouco sobre isso, sobre a valorização do som direto frente a procedimentos como a dublagem…

JG: Durante certo tempo da minha carreira eu busquei valorizar o trabalho do técnico de som direto – pensando numa dimensão criativa e artística da profissão –, contemplando algo além da captação das vozes: captando ambientes e ruídos. Elementos sonoros que seriam usados posteriormente na edição de som e viessem a compor a trilha sonora final mixada. Eram nesses procedimentos que eu conseguia vislumbrar uma possível dimensão criativa do trabalho do técnico de som direto que ia além do aspecto estritamente técnico que normatiza a captação das vozes com a qualidade desejada. Só que na prática, todos esses elementos sonoros podem ser refeitos depois, durante a edição de som. Com a reflexão feita para o doutorado, o que eu pude perceber e superar daquela sensação meio entristecida do técnico de som direto, é que existe um aspecto estético que o técnico imprime no som que ele capta quando ele define o espaço acústico, quando ele conforma a acústica do espaço em que está trabalhando, quando ele consegue – em maior ou em menor grau – criar uma sensação de pertinência daquele corpo, que emana aquela voz, àquele espaço que você visualiza no quadro. Quando o técnico de som consegue trabalhar de tal forma que o som da voz captado cria uma impressão, ou carrega uma sensação de pertencimento ao espaço que você está vendo na tela… é o grande barato, é o espaço criativo do técnico de som direto, e que vai contra uma certa tendência atual – inclusive bastante estimulada por alguns profissionais, por conta da tecnologia de registro sonoro disponível hoje – que é botar lapela sem fio em todo mundo e gravar em “duzentas” pistas. Fica todo mundo com aquele som chapado, sempre em primeiro plano e depois na edição e na mixagem você recria o espaço sonoro. Tudo bem, isto é possível de ser feito, e com um bom editor de som e um bom mixador você consegue restabelecer a espacialidade mais adequada para a cena, mas aí o trabalho do técnico de som vira uma coisa muito aborrecida: “lapelar” todos que estão em cena e garantir que estejam sendo gravados no nível adequado. Você não consegue monitorar com precisão cinco lapelas simultaneamente, ficam as dúvidas: tem ruído de roupa? Tem raspado? A movimentação da cabeça do ator gerou uma mudança de timbre em função do afastamento ou aproximação do microfone de lapela? A questão central é a monitoração do som gravado, você não tem como monitorar com precisão várias pistas simultaneamente.

Essa é uma mudança de premissa no trabalho do técnico de som direto. Anteriormente quando se gravava com o Nagra e mesmo com os gravadores DAT de dois canais, se o técnico de som dizia: “esse som vale!”, ele sabia exatamente o que estava dizendo, pois tinha um grau de precisão na avaliação da qualidade daquele material que hoje, no multipistas, é impossível. Hoje, na verdade, o registro sonoro é feito no maior número de fontes e pistas possíveis, é passado para o editor de som e ele vai dizer o que vale, o quanto vale. Quando se trabalhava com o Nagra, com uma pista só, você só abria mais de um microfone e fazia a mistura quando era fundamental. Porque se você dosasse de forma errada os níveis dos microfones de lapela com o microfone aéreo, corria o risco de invalidar a tomada. Por isso que nos EUA os técnicos de som direto até hoje são chamados de sound mixer. Com uma única pista de gravação o som direto tinha que ser mixado na captação. O advento do multipista veio mudar essa premissa de trabalho e talvez, infelizmente, esteja cumprindo um desserviço para a cultura auditiva do técnico de som direto, para a precisão da monitoração do som gravado.

A minha primeira experiência com gravação multipista foi o longa-metragem Antônia (2006) da Tata Amaral, nesse filme a maioria das cenas de rua, as cenas dos ensaios das meninas, era lapela e aéreo simultaneamente, mas porque era uma situação muito específica, uma proposta de realização, que demandava essa estratégia. As cenas não tinham marcação rígida, eram quatro não-atrizes, quatro cantoras atuando sem um texto pré-definido. Então o microfone de lapela estava ali pra tentar garantir a captação da voz de cada uma das personagens e o registro sonoro feito em pistas independentes. E depois na edição e na mixagem, o som de várias cenas foi construído assim: tem sempre a presença da fala trazida pelo microfone de lapela e a pista do aéreo aberta simultaneamente pra fazer a “costura” e garantir uma sensação acústica mais agradável, natural, que o microfone aéreo traz. Ali era um dado de realização, uma opção de realização. De fato, não seria possível fazer o som direto do Antônia se não fosse o multipista! Imagina, quatro atrizes simultaneamente falando, cantando, dançando e você tendo que mixar três, quatro lapelas mais um aéreo numa pista só.

Então, durante um período da minha carreira eu acreditei que o espaço criativo do técnico de som direto estava na captação do som além das vozes – ainda defendo que mesmo sem diálogo o som de uma cena deve ser captado – mas hoje eu entendo que o foco do trabalho do técnico de som direto é realmente a captação das vozes e o espaço criativo está na captação da voz com a característica acústica que confira pertencimento desse áudio àquela imagem que você está vendo. E pra alcançar esse resultado, às vezes, um único microfone é suficiente, é desnecessário utilizar vários microfones e várias pistas. A questão é: pra que colocar lapela em tudo?

Recentemente eu fiz um telefilme, A Performance (2011)do Mauro Batista e do Luiz Dantas, orçamento reduzido, plano de filmagem extremamente intenso, muitas locações, muitas externas, tinha que rodar em duas semanas, roteiro de 50 páginas pra 52 minutos. Claro que a proposta era fazer o melhor possível, assumindo as limitações impostas pela realidade de produção. Fizemos uma cena externa, onde uma família rica e trambiqueira estava sendo despejada por um agiota. Era uma cena com vários personagens na porta de uma mansão, carregadores com a mudança, o marido, a mulher, a filha, o filho, o agiota e o “capanga” do agiota. A cena tinha uma movimentação complexa e a opção da direção era rodar em plano-sequência com “falas” de cinco personagens previstas em roteiro. Um primeiro carregador empurrando um carrinho passa pelo quadro e entra no caminhão de mudança; um segundo carregador se aproxima da dona da casa que carrega um quadro do Portinari e oferece ajuda, a dona da casa recusa e despacha o carregador; a dona da casa se aproxima do marido reclamando da situação de despejo e o marido retruca; a filha surge no fundo do quadro passa pelos pais em direção ao carro da família brigando e exigindo um quarto exclusivo na nova casa; o agiota se aproxima e pede as chaves do imóvel como cumprimento do acordo. Plano geral, externa, aquela coisa caótica, personagens falando em plano bem aberto… Nos primeiros ensaios, a tentativa de captar com um microfone aéreo no boom foi péssima. A opção que se apresentava era a colocação de microfones de lapelas nos cinco personagens com fala, mais o microfone aéreo. Lapelas em todo mundo? Era uma opção. Em certas situações é a única opção! Considerando o plano de filmagem apertado que tínhamos, eu chamei os diretores e falei: “senhores, se optarmos por colocar lapela em todo mundo, vamos gastar, pelo menos, meia hora para a instalação e checagem de cada um dos microfones, o ritmo de trabalho vai ser mais lento porque vamos ter que ficar cuidando do posicionamento das cápsulas dos microfones, checar os eventuais ruídos de roupa, troca de baterias, e tudo o mais que demanda o uso de microfone de lapelas. Vamos tentar pensar na mise-en-scène de tal forma que o microfone direcional no boom seja capaz de resolver a cena?” A resposta foi: “vamos!” E foi genial porque daí, o que se fez? A movimentação e as falas dos atores foram definidas também em função da opção de captação de som, é claro que sem comprometer as necessidades narrativas da cena. A cena ainda começava com os atores no fundo do quadro, grande movimentação dos personagens, porém as falas eram proferidas apenas quando eles estavam relativamente próximos à câmera, em regiões dentro da área de cobertura do microfone direcional operado pelo boom. A primeira fala da filha, que inicialmente acontecia no fundo de quadro, passou a ser dada quando ela se aproximava da mãe. Na passagem para o carro ela vira o rosto pra mãe, continua falando, coerente com a cena e favorecendo a opção de usar um único microfone para a captação, que se mantinha em uma posição básica fazendo pequenas correções para garantir a captação das vozes no eixo. Quer dizer, a mise-en-scène criada, favorecendo a captação de som com um único microfone, cumpriu as necessidades narrativas que aquela cena demandava, de forma eficiente, de forma pertinente à realidade de produção do filme e sem criar uma complexidade desnecessária pra resolver a cena.

As facilidades tecnológicas atuais permitem que os técnicos não pensem pra resolver certas situações, agem na inércia: “ah, abre dez lapelas… tem lapela? Tem pista?”. Neste exemplo que eu citei, o som ficou impecável, com uma única pista eu tinha total precisão na monitoração, portanto eu sabia, na hora, no final de cada tomada se aquele som estava pronto pra ser usado na edição ou não, se aquele som tinha qualidade pra ser incorporado na trilha mixada do filme. Se eu tivesse usado cinco lapelas, mais o aéreo, provavelmente funcionaria também, mas com um gasto de tempo, de energia e pessoal que poderia comprometer o plano de filmagem da equipe, porque, com certeza iria demandar muito mais tempo para a captação. Por isso é fundamental refletir sobre o trabalho e neste aspecto uma formação mais sistematizada pode ser um diferencial.

Além da questão da técnica e da inércia dos procedimentos, tem outro aspecto interessante neste exemplo, por que o técnico de som não pode propor alterações e influir na movimentação de uma cena, discutir a mise-en-scène? Realizar a marcação de cena também considerando as necessidades e especificidades da captação de som direto, e isso não significa que o som está “engessando” a cena, não é essa a ideia! Mas por que não pensar em algumas alterações de mise-en-scène que facilitem ou que contemplem as necessidades do som direto? Isso é feito para a imagem o tempo todo! Para o som também deveria ser assim, nos trabalhos em que isso acontece é muito estimulante.

 Entrevista com o técnico de som direto João Godoy: Parte II


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