Entrevista com a editora de diálogos Nathalia Rabczuk
Para ressaltar a importância da edição de diálogos nos filmes, valorizar esse trabalho e passar algumas dicas para os iniciantes na área, convidamos a editora de diálogos Nathalia Rabczuk para uma entrevista. Formada em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da USP em 1993, Nathalia dirigiu e produziu o curta-metragem Escuridão (1994) e o documentário O Ritmo de São Paulo (1994). Atua na área de pós-produção de filmes tanto no campo da imagem, quanto de som, tendo trabalhado em filmes como Boleiros (Ugo Giorgetti, 1998), Dois Córregos (Carlos Reichenbach, 1999), Lavoura Arcaica (Luiz Fernando Carvalho, 2001), Vinho de Rosas (Elza Cataldo, 2005), Crime Delicado (Beto Brant, 2005), Sem Controle (Cris D’amato, 2007), O Palhaço (Selton Mello, 2011), dentre diversos outros.
Artesãos do Som: Como foi que você decidiu se especializar em edição de diálogos? Conte sua trajetória e como aprendeu a editar diálogos.
Nathalia Rabczuk: Bom, tudo começouna ECA (Escola de Comunicações e Artes da USP), em meados da década de 90, onde nós passávamos por todas as etapas da realização fílmica. Algumas vezes não havia ninguém que pudesse (ou mesmo quisesse) realizar alguma dessas etapas nas produções de nossos próprios filmes. Assim, comecei a montar e a editar som de meus próprios filmes e de filmes de colegas de turma. E também filmes de diretores de fora da universidade, mas que vinham utilizar as moviolas da ECA. Dessa maneira, fui me interessando cada vez mais por montagem e por edição de som, o que pra mim, sempre foram duas etapas muito próximas uma da outra. Comecei com os curtas que nós produzíamos na USP, passei para curtas de outros diretores de fora e, posteriormente, passei a trabalhar como assistente de montagem e de edição de som em longas–metragens, o que foi me dando cada vez mais experiência na forma como melhor trabalhar e melhor compreender essas duas etapas. E no que se refere à edição de som, eu aprendi a editar diálogos nessa época de universidade. E a montagem já foi me dando uma boa base para uma correta edição de diálogos. E tudo isso ainda na moviola.
Já prestes a me formar, tive os primeiros contatos com os equipamentos digitais de edição de imagem e de som. E percebi que muito do trabalho de edição (tanto de som, quanto de imagem) mudaria definitivamente. Como tomara gosto por essas duas áreas, decidi continuar trabalhando com isso, mesmo tendo que aprender a editar em novas plataformas digitais de trabalho. Passei a trabalhar muito como assistente na montagem e na edição de som e a me informar mais sobre esses novos equipamentos. Essa passagem da universidade para o mercado foi natural pra mim, pois aproveitei ao máximo o contato que tive com profissionais da área para continuar trabalhando com cinema. Assim acabei trabalhando com pessoas que foram importantes nessa minha formação profissional. Por intermédio de José Luiz Sasso, com quem já trabalhara e viria a trabalhar novamente, fui trabalhar com Miriam Biderman (que já possuía a Effects). E em seu estúdio de pós–produção de som eu aprendi a trabalhar com o programa Pro Tools e já fazendo longas–metragens. Só que nessa época (segunda metade da década de noventa), eu fui escalada para editar somente ambientes e efeitos, meio que parei de editar diálogos, pois era a Miriam quem sempre cuidava dos diálogos dos filmes. Quero lembrar que, paralelamente, eu continuava a trabalhar como assistente de montagem em longas. E um ano depois que eu ingressei na Effects, a Miriam acabou ficando com muito trabalho e me passou toda a edição de diálogos do longa “Ação Entre Amigos” do Beto Brant. Fiz todo o trabalho e acabei recebendo elogios de diversas pessoas envolvidas na pós–produção do filme. A Miriam ficou satisfeita com meu trabalho e acabei ficando responsável também por diálogos, não abandonando totalmente a edição de efeitos e ambientes.
Assim, pode–se dizer que acabei me especializando em edição de diálogos meio que por uma necessidade. E como eram muito poucas pessoas (para não dizer ninguém) que se interessavam por diálogos, eu acabei ficando nessa ramificação do trabalho em edição de som. Eu penso que isso acaba perdurando até os dias de hoje, pois edição de diálogos é meio um trabalho de garimpagem no material de som direto de um filme e é preciso muita paciência pra isso.
A.S.: Você já trabalhou com som direto ou outras funções da produção sonora cinematográfica?
Nathalia: Sim, ainda na ECA eu fiz som direto de curtas-metragens de minha turma com o saudoso Nagra. E depois de formada, trabalhei muito como microfonista para o Luiz Adelmo fazendo captação de som direto tanto em curtas, quanto em longas. Trabalhei também com o João Godoy e a Valéria Ferro. Perdi a conta de quantos filmes foram trabalhando como microfonista. E essa experiência (que não foi pequena) me deu mais base ainda para a edição de som, pois pude perceber que a captação de som direto também está intimanente ligada tanto à montagem, quanto à edição de diálogos de um filme. E quanto mais bem cuidada essa captação, mais tranquila será a montagem e mais elaborada e completa será a edição de diálogos.
A.S.: Qual a importância dos outros profissionais de som no cinema terem a consciência do que é a edição de diálogo?
Nathalia: Quanto mais consciência do seu trabalho o técnico de som tiver, mais bem cuidado será seu trabalho e consequentemente mais elaborado será o trabalho do editor de diálogos. E o do editor de ambientes e efeitos também, pois quanto mais material bem gravado o técnico de som oferecer à edição, melhor trabalharão os editores de som, pois eles terão um material sonoro completo nas mãos, muitas vezes não necessitando recorrer a arquivos ou à recriação de sons específicos. E sendo esse trabalho de edição bem elaborado em função do material recebido, melhor trabalhará também o mixador nessa etapa final da pós-produçãos sonora de um filme.
Cabe lembrar que não somente do profissional de captação de som é que depende o trabalho dos editores de som. Na verdade o trabalho de toda a equipe, desde a criação do roteiro, influencia o trabalho da edição de som. Se uma produção não dá voz ao seu técnico de som, certamente a captação terá problemas e consequentemente a edição de som também.
A.S.: Quais as diferenças do fluxo de trabalho em edição de diálogo pra ficção e documentário?
Nathalia: Eu acredito que a principal diferença seja a quantidade de trabalho. Em um filme de ficção geralmente há muitos diálogos e você acaba tendo mais trabalho na limpeza do som direto, na troca de takes, na escolha do que deve ser dublado, na edição de dublagens e etc. Já em um documentário isso muda, pois certamente o volume de trabalho será menor uma vez que se deve assumir o som que foi captado no momento da filmagem, para que se tenha o mínimo de interferências na condução do processo de pós-produção de som do documentário.
É claro que também há problemas de som direto em documentário, mas creio que as soluções acabam sendo encontradas muito mais durante o processo da montagem, do que durante a edição de diálogos do mesmo. Mas se esses problemas não podem ser solucionados na montagem, obviamente opta-se por uma dublagem no documentário, mas são raros os casos e o volume de trabalho seguramente será menor.
A.S.: Qual a sua relação com a dublagem? Como ela interfere no seu processo de trabalho?
Nathalia: Eu não tenho problema algum com dublagem, em muitos casos é o que salva os diálogos de um filme, pois o som direto possui tantos problemas que só a dublagem é que dará total inteligibilidade ao diálogo. E eu me preocupo muito com a clara compreensão do que é dito em um filme.
A dublagem interfere diretamente em meu trabalho de edição de diálogos, pois ela determina o que permanecerá ou não no som direto e como permanecerá. O ideal, para mim, é se fazer toda a edição de diálogos de um filme e a partir daí estabelecer o que será ou não dublado. Isso me parece necessário, pois somente durante a edição dos diálogos é que se descobre se há opções de outros takes e/ou planos que podem servir como substitutos de planos que foram utilizados na montagem final, mas que têm problemas de captação de som.
Mas infelizmente essa não é a regra, pois os filmes já chegam para a edição de som com um prazo apertado de pós-produção. A prática é receber um filme e fazer uma primeira avaliação do que deve ser dublado e a partir dessa lista a produção dubla o que for necessário e, muitas vezes, mais o que a direção já tinha em mente dublar. Obviamente que no processo de edição de diálogos surgem outros casos que devam ser dublados. E em muitas vezes há tempo para se incluir mais esses problemas na lista feita anteriormente.
A.S.: Quais as principais ferramentas que você utiliza para editar diálogos? Costuma fazer algum processamento no áudio?
Nathalia: Bom, atualmente uso somente o Pro Tools para a edição de diálogos e o mesmo possui uma boa quantidade de ferramentas que facilitam bastante meu trabalho. Um exemplo de ferramenta que uso constantemente é o Time Compression Expansion que processa o audio. Utilizo-a muito para a substituição de takes e/ou planos e para as dublagens, pois é uma ferramenta que me permite colocar o som substituto em perfeita sincronia com o som direto original.
No que se refere ao processamento de áudio para efeitos de equalização, isso é algo que faço muito pouco, pois prefiro não interferir muito no som direto original, prefiro que o técnico de mixagem faça isso em uma sala com monitoração adequada e com todos os equipamentos necessários para isso.
A.S.: Como era a edição de diálogo em tempos de moviola? Quais as mais significativas mudanças no seu trabalho com a chegada do digital?
Nathalia: A edição de som era braçal! Transcrevíamos todos os sons que eram necessários para um filme em magnético (16mm ou 35mm), separávamos esses sons e sincronizávamos em inúmeras pistas que eram sendo abertas e ouvidas, duas por vez. Eram metros e mais metros de magnético! Você tinha que ser muito organizado. Mas era um trabalho objetivo, pois você devia ter tudo muito bem decidido antes de começar a edição de som, pois todo o processo era demorado e trabalhoso. Acho que essa objetividade se perdeu com a chegada dos equipamentos digitais e isso ocorreu tanto para a imagem, quanto para o som. Sinto saudades da moviola, pois nessa época você tinha a precisão do quadro, agora temos a imprecisão do frame!
Mas é inegável que os equipamentos digitais trouxeram muitas facilidades e agilidade à edição de som. Agora você pode fazer experiências com os sons de um filme que eram difíceis de serem feitas na época do magnético e de uma forma extremamente rápida, basta ter todos os plug-ins necessários em mãos. A dublagem, por exemplo, era mais difícil de ser bem sincronizada, pois para tentar melhorar o sincronismo você tinha que transcrevê-la novamente em magnético, mas alterando sensivelmente a velocidade do som e ir experimentando até atingir um sincronismo aceitável. Sem dúvida nenhuma é impossível se pensar em edição de som novamente com o magnético! Mas a imagem eu tenho saudades de editar em moviola.
A.S.: Quais as principais dificuldades enfrentadas hoje pelo editor de diálogo no cinema brasileiro?
Nathalia: Acho que a principal dificuldade é o tempo. Quando um filme chega até mim, geralmente tem um prazo curto para ser editado. E esse prazo curto inclui avaliação do som do filme para se estabelecer uma lista de dublagens, edição completa de diálogos (som direto e dublagem) e resincronização da edição de diálogos com o corte final on line. É muita coisa para ser feita em um prazo curto. Isso tudo deve ser feito de maneira cuidadosa. São poucos os filmes que têm um prazo ideal para a edição de som. Não sei se isso ocorre pelo fato das produções imaginarem que com o digital tudo ficou muito mais rápido, então não reservam o tempo necessário para uma edição de som tranquila.
Uma outra dificuldade que vejo é a infinita mudança na imagem. E penso que isso acaba delimitando o tempo da edição de som. Mas não creio que seja uma dificuldade enfrentada atualmente, e sim algo que já ocorre desde o advento dos equipamentos digitais. Como é possível se fazer infinitas versões de cortes de imagem de maneira rápida, o filme acaba chegando aos editores de som sempre com ajustes que ainda serão feitos (algumas vezes por conta de computação gráfica, efeitos visuais etc). Isso acarreta um imenso trabalho, pois muitas vezes não são somente pequenos ajustes que ocorrem, mas sim mudanças de sequências inteiras de um rolo para outro. Para o editor de som que já estava adiantado em seu trabalho isso é extremamente significativo, às vezes é como se o trabalho começasse do zero. E para o editor de diálogos pode ser mais trabalhoso ainda, pois é muito comum cortes de imagem no meio de palavras. Refazer esses cortes é bastante trabalhoso e demorado.
A.S.: Qual o protocolo básico de entrega de imagem e som pra que você possa iniciar o seu trabalho?
Nathalia: Bem, o protocolo básico é um corte de imagem que seja realmente o final (mesmo que seja um off line), as OMFs de cada rolo de imagem, o som direto completo (takes usados e não usados, coberturas de ambientes, de sons específicos, de offs do diálogo etc) e os boletins de som direto. Com isso tudo em mãos, eu começo meu trabalho. Dúvidas que surgirem com relação a opções de substituição ao som direto, eu as esclareço ou com o montador do filme, ou com o produtor, ou com o próprio diretor. São contatos que eu tenho que manter durante a edição dos diálogos para o bom andamento de meu trabalho.
A.S.: Qual dica daria pra quem quer se aventurar na arte de editar diálogo?
Nathalia: Ter muita paciência, pois edição de diálogos é um trabalho demorado, de garimpagem do som direto. E penso que acompanhar outras etapas da realização cinematográfica (uma filmagem ou a montagem, por exemplo) também lhe dá uma boa ideia do que a edição de diálogos necessita e depende. Esse pode ser um início bastante produtivo e esclarecedor.
June 4th, 2012 at 19:27
Parabéns Nathalia!
Suas respostas, comentários e dicas foram absolutamente brilhantes!!! Consciência total sobre som de diálogo, desde a captação até a mixagem final.
Abraço,
Bié
Técnico de som direto
June 5th, 2012 at 15:54
Oi Bié,
Faz tempo que não nos vemos!
Há tantos anos editando diálogo, tem uma hora que a gente aprende né?! E não só no diálogo como eu coloquei na entrevista, mas na captação, na edição e na mixagem. É importante passar por todas essas etapas.
Bacana que você gostou!
abraços,
Nathalia