Entrevista com Ricardo Cutz: Som de Filme
Foto: Mauricio Shirakawa / Estúdio: JLS Facilidades Sonoras – Estúdio A.
Artesãos do Som: Conte sobre sua trajetória como profissional de cinema.
Ricardo Cutz: Comecei a trabalhar com audiovisual em 1999 na ZB Facilities, no Rio de Janeiro. Depois em 2001, colaborando com Denilson Campos participei da edição de som de alguns documentários importantes como “Edifício Master”, de Eduardo Coutinho ou ainda “Os Pantaneiros” de Zé Padilha e Marcos Prado, ainda em 2001. O Primeiro longa que eu mixei foi “A festa da Menina Morta” de Matheus Nachtergaele, que foi apresentado em Cannes, na mostra Un Certain Regard de 2008 e depois entrou em cartaz no Brasil. Em 2009 fui o supervisor de edição de som e mixador do “Segurança Nacional” (de Roberto Carminati), que editei o som junto com Jesse Marmo e Vinícius Leal; fui supervisor de edição de som de “O Bem Amado” (de Guel Arraes) que editei junto com Jorge Saldanha.
Ainda, editei os efeitos e mixei “Viajo porque preciso, Volto porque te amo” (de Karim Ainouz e Marcelo Gomes), com o editor de som Waldir Xavier; por esse filme ganhamos prêmio de “Mejor Sonido” no festival de cinema de Cuba em 2009.
Entre os trabalhos mais divertidos, ou ainda interessantes, cito o “Segurança Nacional” por seu caráter épico, com perseguições de carro, de avião, marítimas. Este filme consumiu aproximadamente uns 3 meses de edição de som, com uma equipe de três pessoas, e aproximadamente 220 horas de mixagem. Foi um grande aprendizado em relação ao nível de detalhamento necessário em filmes de ação. E ainda, o “Viajo porque preciso, Volto porque te amo”, por ter seu som todo construído na pós e, o ainda inédito, “O Abismo Prateado” de Karim Ainouz, que também é um filme com pouquíssimo diálogo, permitiu a construção de uma narrativa sonora hiper-realista, com acentos ligeiramente psicológicos. Em “O Abismo Prateado” também fiz em parceria com Waldir Xavier, editando os efeitos e mixando.
AS: Hoje pode-se afirmar que a produção sonora do cinema brasileiro atingiu um patamar técnico e profissional alto. Como você analisa essa afirmação?
Cutz: Essa questão para mim é muito relativa porque se por um lado os profissionais diretamente ligados ao som dos filmes podem possuir um nível bem alto, atualmente as condições de produção muitas vezes deixam a desejar. Será esse um problema exclusivamente brasileiro? Não sei, mas se você pegar o quadro todo talvez ainda falte um bocado para atingirmos um grau A+, justamente por isso, pela falta de visão no campo da produção de muitos produtores não entenderem seus filmes como um produto e que este produto deve ter um acabamento classe A.
Acho que ainda faltam muitas etapas para a profissionalização do meio como um todo, como por exemplo, a formação profissional de novos editores, técnicos, mixadores; as questões trabalhistas e ou empresariais; a falta de linhas diretas acessíveis, digamos, de micro-crédito e ou de isenção de impostos para que possamos, por exemplo, montar um parque tecnológico mais abrangente e “uptodate“. Acho que todas questões que muitas vezes parecem obscuras, políticas ou sindicalistas devem fazer parte do nosso universo de crescimento. Eu humildemente acredito que devemos pensar e nos organizar a respeito. Acho que ter um ambiente profissional e de alto nível não é apenas saber ‘x’ shortcut`s no ProTools ou esse ou aquele macete no Cantar ou afim…
AS: De onde veio a ideia ou o quê te estimulou a criar o fórum de discussão Som de Filme? E qual é o seu objetivo com o fórum?
Cutz: Veio dos bate-papos nos corredores dos estúdios, das mesas da ABC que pude participar, da web, de ver outras experiências neste sentido. Vamos ver se cola, né?
Acho que a galera se amarra em ler e participar de listas e fóruns “gringos”, vamos ver se a gente consegue fomentar esse nosso, que lide com a nossas experiências particulares e que ele se transforme em um repositório de informações úteis sobre esta profissão. Na verdade essa inciativa não é só minha, é do Tomas Alem, do Laroca, do Leandro Lima, do Paulo Ricardo – com quem já travei imensos bate-bolas sobre esse assunto.
AS: Já foram algumas as tentativas de reunir os profissionais do som no cinema no Brasil (como a APSC – Associação dos Profissionais de Som Cinematográfico). O que você acha que falta para essas iniciativas darem certo de fato?
OBS: Se você participou da APSC, como foi essa experiência? Quais os pontos positivos e os negativos? por quê não deu certo?
Cutz: Cara, eu chequei a tomar conhecimento da APSC acho que por volta de 2002 ou 2003. Eu ainda não tinha entrado no mercado direito. Não tinha trabalhando em nenhum longa de ficção ainda, apenas em curtas e docs. Lembro que na época, ao procurar informações pelo site e através de um número de telefone disponível lá, tinha uma taxa, etc… e acho que eu ainda não tinha nenhum currículo que me permitisse integrar a parada. Hoje vejo diversos integrantes dizendo que a coisa não foi pra frente por causa dos próprios profissionais que a criaram. Me parece que ainda há um certo rancor, ou talvez um pesar pela experiência frustrada. Por quê isso? Difícil dizer. E acho que não dá pra criticar iniciativas como essa, ainda mais sem ter participado.
Acho que sim, que falta um pouco mais um sentido de classe ou coisa do tipo aos profissionais. Eu não sei se este modelo que transformou a todos nós em micro ou médio empresários, acabou por acirrar uma certa competitividade, uma concorrência, nem sempre positiva… Também, aqui ou ali ouço frases como “o meu som”, ou “o som dele”, quero dizer: o som não é de ninguém, é do filme. E o filme tem que ter o som necessário para sua narrativa, para sua capacidade de produção. Mais dublado, mais som direto, mais fantástico, mais realista, mais clipado, cheio de músicas… Enfim, acho que precisamos de algum tempo para dar conta de todas essas questões…
AS: Onde estão os maiores desafios do som no cinema brasileiro?
Cutz: Acho que precisamos investir em formação de profissionais, e aí não falo de editores de som ou de som direto, mas em primeiro assistentes, diretores, produtores, para que o conjunto da obra seja visto como um processo contínuo onde cada excesso ou falha no processo anterior estoura no próximo, sendo o som, e aí a mixagem, a última paragem de todos os problemas. Em termos de linguagem, existem muitos caminhos a serem seguidos, investigados, experimentados. Acho que é preciso apostar em uma maior número de horas, dias, semanas, meses para finalização do som dos filmes. Não tem muito uma medida clara, já mixei filmes em 3 semanas onde para um filme deu tudo certo, para outro foi a maior correria – falando de filmes do mesmo gênero.
Em termos financeiros, ocorreu uma grande desvalorização do processo de pós-produção, talvez possamos ver isso como um processo meramente econômico, baseado na entrada de novos atores no cenário. Se sim, concordaremos que muitas vezes a maneira de novos entrarem e baixarem o preço tentando oferecer o mesmo que outros mais estabelecidos oferecem. Mas e agora, o mercado está estabilizado? Por exemplo, um profissional muito importante: o finalizador. Muitos saíram do mercado porque diversos produtores acreditam que ele não é necessário. O que fazer? Entende? Pra mim o desafio não é só do som, mas de todo um conjunto de processos e profissionais que devem trabalhar juntos de maneira complementar.
AS: O Fórum já conseguiu reunir nomes de grande referência da área. Como foi o seu contato com esses profissionais e quais as expectativas?
Cutz: Como falei lá em cima, não é uma iniciativa só minha. Eu só fui o cara que sentou uma tarde na frente do computador e rodou meia dúzia de scripts na web – tá tudo lá – e mandou uns emails. O fato de fazer parte do mercado, estando sempre em contato com a todo mundo ajudou na hora dos emails. Tá quase todo mundo lá. Alessandro Laroca, Beto Ferraz, Saldanha, Sasso, Miriam, eu, Paulo Ricardo, Leandro Lima, entre outros. Vamos ver se a coisa pega.
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