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Sep 11 2012

Entrevista com Hernani Heffner: 6º Festival Cinemúsica

Hernani Heffner, além de uma das maiores autoridades em preservação audiovisual no Brasil, é também o curador do 6º Festival Cinemúsica que aconteceu nos dias 6 a 9 de setembro na cidade de Conservatória-RJ. O Artesãos do Som esteve presente no festival e realizou uma entrevista com este grande pesquisador do cinema brasileiro.

 

Artesãos do Som: Ao longo da sua história com o cinema brasileiro, onde ou quando surgiu o interesse para com o som e de onde veio a iniciativa de fazer um festival voltado para a trilha sonora dos filmes?

Hernani Heffner: Eu adoro cinema, mas adoro mais ainda tecnologia de cinema. Entre o filme e o gravador, a câmera, o microfone, eu prefiro o gravador, a câmera, o microfone. Eu adoro as máquinas. Eu estudei cinema na UFF e já no meio da faculdade decidi que não queria nada relacionado ao processo de realização. E aí eu fui pro lado da pesquisa… me interessava o cinema brasileiro antigo e, sobretudo, como se fazia cinema aqui. Quais eram os equipamentos, as estruturas, os métodos e técnicas, que eram usados para fazer os filmes num país sem dinheiro, sem condições etc… Quando eu sai da faculdade meu primeiro emprego foi num estúdio de cinema famoso que é a Cinédia. E que coincidiu que foi o estúdio que introduziu o som ótico no Brasil. Então, eu fiquei conhecendo muito desse universo vendo a documentação lá. A Cinédia guardou tudo: os manuais, até nota fiscal de câmera, gravador… E assim… o som era muito mais misterioso pra mim do que a imagem. Eu fixei muito mais na fotografia em um primeiro momento do que na montagem, ou no som, ou na direção de arte. Mas a certa altura eu comecei a lidar um pouco com esse universo sonoro e foi o memento que coincidiu com o convite que veio aqui de Conservatoria, através do Ivo Raposo, que é o dono lá do Cine Centímetro.

Ele estava montando a idéia do festival, não tinha um curador, nós já nos conhecíamos e ele lembrou de mim e me convidou para fazer a curadoria do festival… não só a curadoria, mas pra também montar o conceito. Não tinha um conceito. Queriam fazer um festival de cinema na cidade, mas qual festival? Não sabiam qual… E aí eu fui pensar nisso. Bom, então vamos trazer os filmes famosos… em um segundo momento eu já rejeitei essa ideia e comecei a pensar: “o quê que não tem?”. Existem poucas coisas pra área técnica, mas existe uma coisa forte e bacana pra área técnica que é o Prêmio ABC. Que naquele momento inclusive, não distribuía prêmio pra som. Foi distribuir depois. E aí eu percebi que de todas as áreas que você tinha premiação regular, a única que de fato não era se quer reconhecida, nem no Prêmio ABC naquele momento, era o som. Você tinha prêmio de montagem, prêmio as vezes de direção de arte… enfim, dos mais variados… mas não pro som. É como se aquilo não existisse. E aí o fato que eu gostava da parte técnica, o fato de que era uma lacuna e o fato de que precisava ter um conceito aqui… A idéia imediata foi então mexer com música. Mas música não é o que está acima, música está dentro do som. Então dá pra fazer um festival sobre o som que inclui a música, inclui uma dimensão local que é o patrimônio da cidade, essa coisa da seresta etc. E aí ficou claro.

A partir daí a gente foi ver se na prática era possível fazer alguma coisa como essa. Eu me lembro que o primeiro prêmio que eu imaginei dar, que pra mim era óbvio… para o cara que eu mais admirava no mundo do som, era pro José Luiz Sasso. Mas pra trazer o Sasso aqui no primeiro ano do festival foi uma dificuldade. Primeiro ele não acreditou, depois falou que não saía de São Paulo. Foi uma novela durante um mês até que no penúltimo dia antes do festival ele resolveu vir. Aí ele veio, chegou aqui meio ressabiado e tudo mais… mas aí a gente fez a premiação no primeiro dia, ele ganhou o prêmio, ficou emocionado e tal… E no segundo dia a gente fez a entrevista com ele, assim como fizemos agora com o Eduardo Coutinho e o Nelson Pereira do Santos no “direto do set”. E aí  ele percebeu que eu sabia o que era som ótico, o quê que era uma mesa de mixagem, o quê que era grave, agudo, frequência e tudo mais. E ele adorou porquê era alguém com quem ele podia conversar sobre um assunto que ele dominava e que, no fundo no fundo, ele queria botar pra fora.

 

A.S.: Quem escolhe os filmes ou quais os critérios utilizados na indicação dos premiados? 

H.H.: Eu que escolho e geralmente assisto os filmes em festivais de cinema. Estipulo os filmes exibidos entre julho do ano anterior e junho do ano em que ocorre a edição do Cinemúsica. Então neste período, os filmes que de alguma maneira se tornaram públicos, são elegíveis para a premiação e essa premiação é feita seguindo o critério de você delimitar claramente todas as áreas da atividade sonora. Eventualmente em alguns anos privilegiando todas e em outros privilegiando só algumas. Em seis anos, por exemplo, é a primeira vez que a gente vai dar um prêmio de Melhor Seleção Musical. Nos longas-metragens, além do prêmio de Melhor Música que ficou com o Berna Cepas no filme “Heleno“, tivemos também o caso de um conjunto de músicas que foram sorteadas a um filme mas que não foram compostas para ele. Nessa edição do festival, a gente achou que esse aspecto do filme era significativo, tinha um entrosamento grande com a narrativa e com o espírito do filme, etc… E a gente achou que essa seleção musical foi bem cuidada e o “Luz nas Trevas” ganhou esse prêmio pela primeira vez.

A gente sempre quis fazer uma premiação com um júri, seleção, etc. Mas isso, pra nós aqui de Conservatória, é muito complicado operacionalmente. Pra você ter condição de ter uma produção anterior ao festival e que nesse caso seria gigantesca… e não há uma condição em princípio de ter tudo a disposição. É uma premiação muito mais simbólica do que propriamente um resumo absoluto da qualidade desse ou daquele filme, etc. Tem essas restrições… Então, quer dizer que eu tenho que ter visto. Por exemplo, no filme premiado “Memórias Externas de uma Mulher Serrilhada” eu assisti no festival “Olhar de Cinema” lá no Paraná, onde eu conheci o diretor do filme inclusive. Então, vai muito das circunstancias de eu estar em contato com essa produção. Lógico que é muito difícil por um lado uma pessoa ver todos os filmes lançados. Por outro lado, tem uma certa facilidade pois eu trabalho na Cinemateca do Rio de Janeiro e muita coisa acaba chegando lá de uma maneira ou de outra. Eventualmente eu posso inclusive assistir o filme lá. Então, eu diria que tenho um razoável conhecimento do volume de produção anual que é apresentado e de alguma maneira… Enfim, eu posso errar muito ou posso errar pouco… mas o sentido não é dizer que aquele é o melhor… o sentido é: olha, presta atenção que naquele filme existe um trabalho significativo, é um trabalho dentro de uma área que normalmente não recebe a atenção devida e que contribui as vezes decisivamente para o resultado artístico, cultural e final do filme.

A gente estuda a possibilidade de criar um júri e tudo mais. Mas isso depende de aumentar o patrocínio do festival, o que é muito difícil. Enfim, eu arco com um ônus que eu não gosto. Por isso que inclusive não sai quem escolheu os premiados. Mas eu tento ter o maior critério possível e dentro dos conhecimentos limitados que eu tenho… quer dizer, eu não sou um técnico de som. É obvio que eu acho que um mixador tem muito mais condição de julgar a mixagem de um filme do que eu. Mas de alguma maneira é o julgamento de um leigo. Então, é a percepção de alguém que não está fazendo aquilo e sim, que recebe aquilo como um espectador. O sentido é esse.

 

A.S.: E ao longo desses 6 anos não te deu vontade de “por a mão na massa” alguma vez?

H.H.: Não, eu não tenho o menor interesse em fazer filmes. Só restauração… e tem que restaurar o som…

A.S.: E como e onde é feito esse processo lá na Cinemateca do Rio de Janeiro?

H.H.: A restauração de som a gente faz com um estúdio lá no Rio, que é o Rob Filmes. Mas a gente acompanha todo o processo, todas as passagens que eles fazem no… era Sonic Solutions no início, mas hoje em dia é no Pro Tools. E verifica se está tudo no conceito, acompanhando a edição e a mixagem, que na verdade não é bem uma mixagem, mas sim uma re-equalização daquele som original. E estabelece todos os conceitos. Por exemplo: em “Mulher” (Octavio Gabus Mendes, 1931) ficou claro desde o início pra eles que o som original do filme era em disco. Então a gente queria ouvir no cinema aquele barulhinho da agulha. Eu quero que as pessoas tenham a impressão de estarem ouvindo um som em disco. E foi muito interessante porque várias pessoas achavam o som do filme ruim ou errado, dizendo: “mas isso ta parecendo disco… ta ruim”. Mas o original era disco e é uma indicação que funcionou.

 

A.S.: Esses 6 anos de festival coincide com um período de grande evolução do som no cinema brasileiro. Qual a sua análise disso?

H.H.: O Cinemúsica pegou a última grande guinada dessa história. Eu acho que existem três grandes momentos. O primeiro é a invenção dos microfones de lapela e dos direcionais que foi mais ou menos na mesma época, ali pelo final dos anos 1960… Então, o som direto sofre uma evolução ali nesse momento. Depois o Dolby, dando a possibilidade de você na verdade não só usar um artifício artístico mais significativo que é a especialização, mas principalmente o fato de você tirar o chiado e dar clareza ao som. Enfim, ter uma presença do som na sala de cinema muito mais significativa. E por último, a chegada do gravador digital… que na verdade se estende a qualquer máquina de som hoje, pois quase tudo é digital nessa área hoje. E com o digital, você pode fazer vários tipos de propostas, processos, estruturas pra trabalhar o som. Desde você ter um gravador de 8 pistas e poder colocar cada ator em uma pista separada, até você ir em um Pro Tools e trabalhar ali a edição de som de uma maneira extremamente prática de um lado e criativa do outro… Pois você pode fazer quase tudo a partir do computador.

Essa última revolução que é o computador, coincide com o Cinemúsica, coincide com a profissionalização dos estúdios de som, coincide com o crescimento desses estúdios, coincide com a percepção de que você precisa ter talentos pra lidar com isso, não meramente técnico, e coincide com o fato de que hoje o som ter uma presença estética no conceito dos filmes muito acentuada. Então, talvez tenha sido uma coincidência, ou não… Eu acompanho os filmes a muito tempo, mas se em um primeiro momento a idéia de ter som no Cinemúsica foi porquê a cidade tem música; em um segundo momento ficou claro de que o Cinemúsica podia apresentar, acompanhar e amplificar isso. E de fato a gente cresceu na medida em que isso cresceu também. Se em um primeiro momento a gente teve poucos técnicos presentes… mesmo dos premiados, poucos vieram… hoje a gente tem um número bastante significativo.

 

A.S.: E quais os próximos passos do festival?

H.H.: O festival continua. Eu acho que ele se estabilizou. Nos primeiros três anos a gente sempre ficava naquela expectativa se teria no próximo ano ou não, mas hoje os principais patrocinadores já garantem a feitura dele pelos próximos anos. Agora, ele precisa qualificar algumas coisas… qualificar eventualmente um júri, qualificar um catálogo que aprofunda essa reflexão sobre o som… A gente não tem fôlego pra fazer isso até o presente momento. Qualificar um de debate maior entre esses profissionais, eventualmente trazer um número maior de profissionais pra cá. Isso é um sonho não exatamente meu, mas sobretudo do Ricardo Cutz que esteve aqui no ano passado… de repente realizar aqui um encontro anual dos profissionais de som e de música onde pudessem discutir suas questões como técnicos, como artistas, empresários, etc. Enfim, de fato encontrar um espaço que até hoje não se apresentou pra esse segmento da atividade.

 

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