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Nov 22 2011

Conversando com Alexandre Desplat

 

O consagrado compositor francês de música para cinema Alexandre Desplat, vencedor do World Soundtrack Awards 2011, estará no Brasil para uma apresentação com a Orquestra Jazz Sinfônica no Sesc Pinheiros dia 30 de novembro. No dia seguinte, 01 de dezembro, realizará uma palestra no mesmo Sesc Pinheiros com entrada franca. Dentre os últimos filmes que contaram com o trabalho de Desplat estão A Árvore da Vida (Terrence Malick, 2011), O Discurso do Rei (Tom Hooper, 2010), Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (David Yates, 2011) e O Curioso Caso de Benjamin Button (David Fincher, 2008).

Amante da música brasileira, Alexandre Desplat concedeu uma entrevista* por telefone para o jornal O Estado de São Paulo, a qual tomo a liberdade de posta-la aqui.

 

O que é importante ao se compor uma trilha para o cinema?

Antes de tudo, é importante amar o cinema para se entender a dramaturgia de um filme, a forma como é filmado e dirigido. É preciso conhecer música de todo tipo, para estar aberto para as direções do diretor. Também uma visão apurada sobre a função da música em uma trama. Se será pequena, grande, forte, violenta. O filme tem uma estrutura dramatúrgica e a música tem de ser ajustada a esse esqueleto. A questão fundamental é: “O que posso acrescentar ao filme que ele ainda não tenha?”.

Independe se a trilha é para um filme mais intimista ou para um blockbuster?

É mais cansativo criar para uma grande produção, pois exige mais energia, uma orquestra maior, o tempo de música em cena é maior. Gasta-se mais tempo na composição. Mesmo assim, é uma questão variável pois pode ser mais fácil compor a trilha de blockbusters, ainda que seja exaustiva, que a música complexa de trabalhos menores.

Há muita pressão quando compõe para filmes grandiosos como Harry Potter?

Sim, muita. Primeiro, há a pressão criativa, pois John Williams, um dos maiores compositores do cinema da atualidade, criou a música para o primeiro filme da série. Ou seja, meu desafio era, ao menos, manter a mesma qualidade da orquestração estabelecida por Williams. Tal cobrança exige uma busca pela perfeição superior que o normal, o que é cansativo. Como o filme foi muito editado, a cada dia havia uma nova mudança, também precisei adaptar a trilha quase continuamente, adaptando a melodia, as cordas, o compasso para a cena recém incluída. Trabalhar em produções desse calibre exige acima da conta. Depois de realizar uma trilha desse naipe, acho que sou capaz de fazer qualquer trabalho.

Como foi saciar os desejos de Terrence Malick ao compor para A Árvore da Vida?

Era impossível. Malick me convidou já sabendo exatamente que tipo de trilha gostaria para o filme: além de Berlioz, Mahler e outros clássicos, ele queria que eu trouxesse um toque mais contemporâneo. Assim, durante três anos, falamos muito por telefone, fui a Austin encontrá-lo diversas vezes, mas vi muito pouco do filme inteiro, apenas na première em Cannes. De uma certa forma, foi um grande aprendizado trabalhar sem assistir praticamente a nada do filme. E também frustrante não participar ativamente do processo de criação. Apenas forneci música. O consolo foi ter compartilhado as ideias de Malick, um criador excepcional.

O Discurso do Rei conta a história do soberano que não consegue se expressar, daí a importância da música como complemento, não?

Você colocou bem, pois a música surge para revelar as emoções do rei que, pela tradição, não pode demonstrar publicamente seus sentimentos. Assim, a trilha expõe essa fragilidade, o que surge ao som de violinos, e também sua bondade, que toma forma a partir do piano. Aliás, foi bom você perguntar, pois pensava na bossa nova enquanto compunha.

É mesmo?

Sim. O diretor Tom Hooper me disse que o rei era um homem frágil, então decidi que o piano seria o principal instrumento para transmitir suas emoções. Também seria um conjunto de notas que marcaria toda a trilha sonora. Logo me lembrei de Samba de Uma Nota Só (de Tom Jobim e Newton Mendonça). Era preciso um tom solene, intimista, nada de tambores ou trompetes.

Creio que seu conhecimento sobre música brasileira deve ser grande.

Conheço tudo. Quando era jovem, tive uma banda que só tocava bossa nova e samba. Eu tocava flauta e cantava Jobim, Vinicius, Chico Buarque. É um estilo de música que sempre me acompanhou. Ontem mesmo (a entrevista foi feita na quinta-feira passada), passei o dia ouvindo Silvinha Telles. E, em meu carro, ouço sempre Elis Regina, que considero uma deusa ao lado de Billie Holiday. Você não pode imaginar como gosto da música de seu país. Tenho inúmeros CDs, long-plays, tanto de músicos infelizmente obscuros na Europa, como Jacob do Bandolim, como nomes famosos dos anos 1960, como Marcos Valle. Enquanto falo com você, vou pensando em outros nomes… Elizeth Cardoso! Que grande cantora!… Quarteto em Cy e MPB4: eles são meus amigos, embora não saibam. E, claro, o mestre de todos, Tom Jobim, que não tive o prazer de conhecer, além de outro, que espero poder cumprimentar pessoalmente, Edu Lobo.

Qual a razão para uma paixão tão grande pela música brasileira?

Como artista, encontro na música brasileira uma rara complexidade melódica, além de uma beleza e de uma sutileza únicas – creio ser impossível encontrar violência sonora nas canções brasileiras. Notei isso ainda jovem, quando a música mundial era marcada pelo rock e a força das guitarras: eu preferia a gentileza das composições brasileiras, mais elegantes, sem exageros. Era o tipo de som que defini como ideal para minha carreira. Por conta disso, você pode imaginar como estou ansioso para finalmente conhecer o Brasil.

Finalmente, quais são seus compositores favoritos?

Nino Rota, Maurice Jarre, John Williams, Bernard Herrmann, Alex North. Mas também sou influenciado por Cole Porter e Gershwin: não se pode falar em canção americana do século 20 sem mencionar esses dois.

 

*Entrevista publicada no jornal O Estado de São Paulo em 22/11/2011.

Link original: Música brasileira é carregada de detalhe e sutileza

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