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Jul 2 2013

Entrevista com a editora de som francesa Cecile Chagnaud

Cecile Chagnaud é uma montadora, editora de som e fotógrafa francesa que recentemente esteve no Brasil para um bate-papo realizado no Museu de Imagem e Som de São Paulo sobre o trabalho com o som no cinema. Na ocasião houve também a exibição do filme A Loucura de Almayer (Chantal Akerman, 2011), no qual Cecile foi responsável pela edição de som. Artesãos do Som esteve lá e registrou algumas palavras da profissional francesa.

 

Artesãos do Som: Como e quando você começou a trabalhar ou a se especializar em som pra cinema?

Cecile Chagnaud: Eu estudei Etnologia. Depois estudei montagem na FEMIS e no último ano fiz um estágio para me especializar em montagem de som, sobre os equipamentos necessários de montagem virtual (Solid State Logic, depois AKAI DD1500 Digital Audio Workstation e depois Pro Tools). Fiz também estágios no IRCAM sobre os softwares Audio Scult e Max MSP que me abriram novos horizontes ao adentrar mais nas especificidades do som, em uma aproximação mais musical. Cheguei a criar sons e componentes musicais para espetáculos ao vivo (com atores e público), como por exemplo, em espetáculos de Penelope Hausserman.

Fiz minhas primeiras montagens de som na película. Depois, no primeiro longa-metragem que trabalhei, “Um Divã em Nova York (Chantal Akerman, 1996), instalei um Pro Tools sobre a mesa de montagem 35mm. Eu também sempre gostei de gravar sons quando viajo. No começo com um pequeno Dictaphone mini cassete, depois com um DAT, hoje em dia com um Zoom H4. São “cartões postais sonoros” e foi assim que comecei a criar meus primeiros bancos de som.

 

A. S.: Dentre as diversas etapas de produção sonora no cinema, por que se interessou com edição/montagem de som? Já trabalhou em outras atividades como som direto ou foley?

C.C.: Eu sou montadora de imagem também, é uma outra paixão, e está diretamente relacionada à montagem de som. Também gosto bastante de fazer som direto e captação de ambientes. Já fiz som direto em vários documentários e sempre me dedico a captar ambientes ou sons marcantes nos filmes.

 

A. S.: Como você analisa a parte criativa do trabalho do editor de som? O que representa o som no cinema pra você?

C.C.: O aspecto criativo do montador de som? O potencial do som no cinema? Enorme! poético, delicado, inconsciente, mágico, erótico, dramático… Fundamental!!! Enfim, isso depende dos filmes. Uma infinidade de coisas são possíveis graças ao som.



A. S.: Quais são as principais referências do seu trabalho?

C.C.: Eu tento não ter muitas referências, para ficar livre em cada novo filme. Mas claro que amo David Lynch, Robert Bresson, Jean Luc Godard, Wang Bing… e tudo que John Cage compôs e escreveu.

 

A. S.: Em “A Loucura de Almayer você trabalhou a edição de som de forma peculiar. Enquanto a diretora editava a imagem, você editava o som paralelamente na sala ao lado. Quais as vantagens e desvantagens desse método de trabalho? 

C.C.: Pra mim, editar o som antes do fim da montagem de imagem é o ideal. Isto permite uma colaboração precisa. É importante poder retocar a montagem de imagem em função do som e da música. Nós sabemos que muitas vezes o som pode acelerar a imagem, mudar o ritmo, os contrastes e mesmo a encenação dos atores.

 

A.S.: Como você avalia a importância da comunicação entre o editor de som e o técnico de som direto?

C.C.: Quando ela é possível, a comunicação com o técnico de som direto é formidável antes da filmagem, depois da leitura do roteiro e da reunião com o diretor. Eu sempre faço uma lista de pedidos com sons necessários separados. Depois da filmagem, alguns vão me encontrar no estúdio para me explicar algumas coisas e ver como estou trabalhando com os sons. Infelizmente esses encontros estão cada vez menos possíveis… as condições de trabalho no cinema na França vêm se degradando cada vez mais.

O  ideal é quando o técnico de som direto também é apaixonado pelo trabalho e tem tempo e dinheiro para captar a maioria dos sons do filme. É cada vez mais raro receber sons de ambientes internos e externos da locação, por exemplo, gravados durante a filmagem, a noite ou durante as pausas de almoço…

 

A.S.: Você utiliza muitas bibliotecas de som comercializadas? Como realiza suas pesquisas sonoras?

C.C.: A pesquisa de sons adicionais que realizo é muito instintiva. Eu evito ao máximo o emprego de “sonotecas” comerciais que todo mundo utiliza e que muitas vezes carecem completamente de poesia, por mais que sejam úteis de vez em quando. Eu peço sons aos meus amigos editores de som, mixadores, bruiteurs (artistas de foley)… Nós compartilhamos, e às vezes existe até um orçamento para isso. Marie Guesnier tem uma sonoteca formidável, por exemplo. Eu gravo muitos sons por minha conta também. Pesquiso na internet em sites de pessoas que fazem gravação de campo (sound field recording) e sempre encontro maravilhosas trilhas de ambientes naturais gravadas nos 4 cantos do mundo, em 5.0.

 

A.S.: Quais as maiores dificuldades que os profissionais de som no cinema vem enfrentando na França atualmente? Você participa de alguma organização dos profissionais de som? 

C.C.: As dificuldades na frança são cada vez maiores. O cinema de autor morreu. A maior parte dos filmes de grande orçamento não possuem nenhum interesse em mim (e vice-versa), os outros sofrem cruelmente com a falta de tempo e dinheiro. O modelo televisivo mata a produção. Os filmes artísticos, de pesquisa, são cada vez mais artesanais e feitos entre amigos. Falta dinheiro, salve algumas exceções.
Hoje às vezes somos convidados para lidar com qualquer pós-produção de som… pode parecer econômico, mas isso não tem nada mais a ver com cinema. Técnicos jovens mal pagos fazem trabalhos a pronta entrega sem amor, cultura ou reflexão… exceto a questão de saber quem tem o melhor plug in.
Eu faço parte de uma associação de profissionais, a AFSI (Associação Francesa do Som e Imagem), que reúne técnicos de som direto, microfonistas, editores de som, de diálogo e mixadores. Mas eu ainda não paguei minha contribuição este ano…

 

O encontro por Cecile:

“Montadora, editora de som e as vezes cineasta ou fotógrafa, minha atração pelo cinema ‘mudo como os sonhos’ e pelo trabalho de som no cinema pode parecer paradoxal. De fato, eu gosto dos filmes que mostram o que eles não demonstram. Filmes sem fala, sem discurso. Filmes que por vezes chamamos “experimentais” por que sua significação não reside no sentido. Um cinema que prova os sentidos antes do espírito, liberado de suas limitações descritivas ou referenciais, onde a montagem de imagem e de som se impõem como a única escritura do filme. Escritura onde a poesia conduz a narração. Eu tive a chance de trabalhar com Chantal Akerman em vários filmes e instalações. Penso que seu último filme, ‘La Folie Almayer‘, inspirada no primeiro romance de Joseph Conrad, e filmado nas florestas do Cambodja, tem muitos aspectos de uma obra prima. Eu os convido a assistir algumas sequências desse filme e de alguns outros para discutir o trabalho do som.”


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