Sonoridades no Cinema Brasileiro: Fernando Henna e Daniel Turini e o som de “Avanti Popolo” e “A Cidade é Uma Só?” – Parte I
Primeira parte da entrevista com os profissionais sonoros Fernando Henna e Daniel Turini. Formação, geração e ruídos: pensar o som de um filme.
Guilherme Farkas: Como vocês se aproximaram do universo do som no cinema?
Daniel Turini: Eu fiz cinema da USP (Curso Superior do Audiovisual, Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo) e já dentro do curso fui me especializando em som e montagem, quando comecei a trabalhar foi já fazendo som e tenho trabalhado com som desde então. Faço outras coisas, tenho curtas-metragens que dirigi, faço roteiro, faço outras coisas, mas o dia-a-dia é trabalhar com som. É uma abordagem mais focada na narrativa, então a minha formação é de dramaturgia, de desenvolvimento dramático. Então não é tão disparate trabalhar com som ou com roteiro ou com outras áreas. Na verdade estou trabalhando com a evolução da dramaturgia no tempo. É claro que existem diversas áreas em cinema mas eu definiria um pouco como essa passagem do tempo em que o som é fundamental, ou a montagem ou a estrutura de um roteiro. Acho que minha especialidade é trabalhar isso, entender essa estrutura através do som ou de outras linguagens e trabalhar isso. E é um pouco complementar até um pouco com a formação do Fernando (Henna).
Fernando Henna: Que é o oposto disso! (risadas). Eu entrei no som para cinema meio por acaso. Eu trabalhava num estúdio de publicidade e uma das assistentes lá tinha trabalhado no estúdio da Miriam Biderman e ofereceram uma vaga para ela que ela acabou não aceitando e perguntou se eu queria, se eu sabia fazer. Eu falei sim para as duas coisas. Mas era mentira, eu não sabia fazer, só queria. Fui lá meio na cara de pau, no estúdio da Mirian, chamado Effects Films e ai chegando lá eles perguntaram se eu sabia fazer e eu disse que não mas que tinha um conhecimento um pouco melhor sobre o Pro Tools e algumas coisas técnicas mesmo, e eles tinham uma demanda para isso. Acabei entrando nessa vaga, uma vaga meio de entrada, para editar passos…
DT: Mas você tem sua formação de música (falando para Fernando Henna).
FH: Antes eu tinha uma formação de música, trabalhava em estúdio já. Mas o que mais me ajudou mesmo foi ter essa formação de música, um ouvido já treinado, noção de ritmo. Acho que eu fui descobrir que isso me ajudou só depois, na hora tudo era muito difícil, uma linguagem que eu não tinha o menor domínio. Tudo que eu aprendi foi no começo lá (no estúdio da Mirian). Era bom porque eu dividia a máquina com o Daniel (Turini) e as vezes até o mesmo trabalho. Muitas coisas eu seguia a partir dele então era bem complementar mesmo, acho que por isso que conseguimos virar sócios hoje em dia. Eu editava coisas no dia anterior, ele via que eu tinha editado, e o contrário também. Foi meio isso, aprendendo fazendo.
GF: E você Daniel, tem um passado ligado à música?
DT: Minha formação de música é absolutamente amadora.
GF: Pergunto isso porque muitas vezes a música está ligada à formação das pessoas que trabalham com som no cinema…
FH: Grande parte dos técnicos, editores e mixadores tem um começo na música…
DT: Na verdade são esses dois caminhos, tem os que vieram através de formação de cinema, o que é cada vez mais comum, e os que vieram através da formação musical. Nossos assistentes é isso, um fez cinema na USP e outro fez música na UNESP (Universidade Estadual Paulista). A verdade é que não existe uma formação específica para som em cinema, então acaba sendo um mercado em que cada um tem que descobrir um pouco como fazer, pesquisar, testar e se questionar. Não tem uma escola, uma tradição sobre som em cinema. É muito novo o pensamento do som no cinema, um pensamento mais complexo, que envolva narrativa e que consiga dialogar técnica com narrativa. Ainda estamos no começo, não sei se no começo…
Teve a Retomada para começarmos e pensar que podemos propor, podem ter técnicos que trabalhem só com isso. Acredito que tem uma dificuldade financeira muito grande em que as pessoas não conseguem trabalhar com isso a vida inteira. Consegue se você for “o” técnico de som, “o” editor de som”, mas você não tem uma carreira de artistas de foley por exemplo, então várias pessoas que estavam com a gente, que começaram com a gente e que eram promissoras artistas de foley mesmo que fosse algo que eles iam descobrindo por conta própria, que não tinham um mentor, uma tradição. Desenvolveram uma técnica, estavam chegando num resultado cada vez melhor mas chegou uma hora que para eles financeiramente não significava mais nada. Chegaram num teto de pagamento do foley e desistiram. Eram músicos, a carreira de música estava indo melhor e eles desistiram. Como área de atuação ela é muito esquecida, pela produção, pelo investimento. Acaba sendo uma área de poucas pessoas se desdobrando para fazer uma coisa que a gente está começando a entender, começando a propor coisas novas dentro do possível, dentro da estrutura que a gente consegue.
Teve o avanço tecnológico muito grande que facilitou o acesso à gravação, à mixagem que facilita a manter uma estrutura menor, mas ao mesmo tempo ainda estamos correndo o risco dos produtores descobrirem a tecnologia e deixar a estrutura menor ainda! Falta um pouco a consciência do que o som pode trazer, porque vale a pena investir no som e isso é uma discussão longa que todo técnico de som vai conseguir falar sobre isso. Vai desde a produção até o produto final, o quanto um espectador consegue discernir e a demanda. Eu vou em tantas sessões em que o som está tecnicamente muito ruim, por causa da sala, da projeção e ninguém percebe. Nenhum espectador se incomoda ou percebe. Então acho que é um debate extenso, meio “muro das lamentações” mas importante só dar uma passada nisso.
GF: Falando um pouco da sua formação, quando você estava estudando na faculdade de cinema, existia algum incentivo para você pensar som?
DT: Na faculdade os melhores professores eram aqueles mais “práticos”, técnicos, que estavam mais perto do mercado. Tinham professores teóricos bons, eram dois, mas os professores mais práticos eram os que eu me identificava mais. Tinha a Vânia Debbs na montagem e o Eduardo Santos Mendes e João Godoy no som. A paixão do Edu (Eduardo Santos Mendes) e o do Godoy (João Godoy) foram muito importantes para eu conseguir me identificar com alguém, com uma abordagem, com uma tentativa de um pensamento novo. Eles até abriram mão da carreira deles como profissionais do mercado de som para formar pessoas para o som. Formar não só técnicos e editores de som, mas que os próximos diretores tenham um pensamento sonoro, os roteiristas. Eu lembro muito o Godoy falando que ele cansou de tentar ensinar, no set, para o diretor, qual a importância do trabalho dele (enquanto técnico de som direto). Então era mais fácil ensinar o cara que estava começando, qual a importância do trabalho dele para mudar o mercado como um todo dali a vários anos. Acredito que isso foi bem importante. São pessoas que tem um histórico desse enfrentamento.
GF: Você sentia que isso era compartilhado por grande parte dos alunos?
DT: Sim, eu acho que em geral teve uma crescente preocupação com o som no set. Por exemplo, uma das coisas que o Godoy mais falava e reclamava era que ninguém dá espaço para o som no set, para o som trabalhar. O som é um negócio que só pode atrapalhar, ninguém está preocupado. Todos estão trabalhando para a câmera, o som é o único elemento que está trabalhando para algo que não é a imagem. Está trabalhando numa outra lógica e por mais que seja mais simples do que a câmera, é uma equipe menor, é uma outra lógica! Pode dar conflito, coisas que ninguém está pensando, só o pessoal do som. Com avião ninguém se importa, só o pessoal do som. Toda parte de respeitar, de tentar buscar um som direto de qualidade. O Godoy e o Edu imprimiram muito isso na minha geração.
Então acho que os diretores da minha geração, tem essa preocupação. O Marco Dutra e a Juliana Rojas, que trabalhamos bastante juntos, sempre trazem uma proposta que desde o roteiro tem coisas com o som, a narrativa passa ativamente pelo som, pelo ruído. Uma geração que tem até uma dificuldade de lidar com música, trilha sonora. Algo que não faz parte da nossa formação, não tivemos aula de trilha sonora de uma forma mais veemente. Se você pegar por exemplo o filme do Misha (Michael Wahrmann) “Avanti Popolo” (2012), ele já é da FAAP … Como nós somos um estúdio pequeno, pegamos diretores que estão começando. Se fizermos um panorama dos filmes que a gente fez, quais que usaram música original, quais usaram música só diegética e quais que não usaram música. A proporção é muito similar. Na verdade os que usaram música como aquele conceito de música de cinema como algo grande que ganha um caráter muito forte na narrativa, só os mais recentes. O segundo filme do Marco (Dutra) que é o “Quando Eu Era Vivo” (2014) , o quinto filme do Belmonte “O Gorila” (2012) que a gente fez. O Daniel Ribeiro que a gente fez o “Hoje eu Quero Voltar Sozinho” (2014) só utiliza músicas que já existem. Que é uma relação de no roteiro você já ir imaginando aquela música…
FH: É quase meio “video-clip” o uso da música. Para a estória, sobe a música…
DT: Ou então é diegético. Não tem aquela coisa de contratar um músico e criar com ele um universo musical que eu não conheço para criar junto para o filme. Os filmes do Marco (Marco Dutra) e da Ju (Juliana Rojas) começaram a ter isso virando um musical, o do Caetano Gotardo “O Que se Move” (2013), trazendo a música para dentro da cena e valorizando ter algum ruído junto com a música. O novo filme da Ju ela queria que fosse, não deu por questão de logística de orçamento, mas é captando som direto, captando as canções como som direto e não como um playback lindo maravilhoso dentro dos padrões musicais. Mas dentro dos padrões mais de interpretação que tragam ruídos da cena, ruídos das emoções das personagens que trazem outras coisas do que esse conceito de música. Acho que o pensamento de ruído dessa geração toda de som, está mais entranhado no processo inteiro, encabeçado pelos diretores, mas o respeito no set pelo trabalho do técnico de som, acredito que tem uma coisa nova nisso tudo.
Óbvio que por outro lado, a gente recebe muitos filmes que o som direto da vontade de mostrar para o diretor vinte vezes: “olha só como está, você está ouvindo?” um som direto que você vê que o cara não teve espaço no set para trabalhar, vê que não teve um respeito da produção, não se tentou fazer um bom som direto. Mas em geral é uma geração que traz um pouco esse pensamento do ruído da música que já se conhece, já entra também o Adirley Queirós de usar muito a música diegética, conhecida ou quase conhecida. São pessoas muito próximas, fazendo a música deles, uma visão um pouco mais pessoal, assimilando ruído, a sonoridade do lugar, do ambiente, assimilando as vozes daquelas pessoas que estão atuando ao redor dele (do personagem Dildo, protagonista de “A Cidade é Uma Só?“), no bairro. Ou no caso do Caetano e da Ju, de usar mais o som direto. Acho que tem um pensamento novo mesmo. Paralelo a isso ainda existe a dificuldade enorme nossa em que cada um está descobrindo como fazer tecnicamente, muitas vezes a gente se sente mais descobrindo o como fazer do que aprendendo com alguém. Ainda tem uma diferença com outros países que tem uma tradição em trabalhar o som, faz parte da cultura. Da vida inteira de ir no cinema e o som estar bom, o norte-americano vai no cinema e tem um padrão de audição, de exigência do que ele tem que ouvir que é muito alto. Enquanto a gente, nosso padrão é de ir no cinema e ver se da para entender o que os atores falam ou não. A gente tá muito atrás, em termos de pensamento de som mas ao mesmo tempo a gente estava muito atrás em muita coisa no cinema. Então agora que está tendo volume de produção muito grande, uma quantidade de produção, sem a perspectiva de uma interrupção muito abrupta, os pré-requisitos para um pensamento sonoro a gente já tem, agora é trabalhar.
GF: Dentro do universo do som, vocês foram direto para pós-produção? Passaram pelo som direto?
DT: Eu tive essa experiência de passar pelo processo todo, fiz muita captação de som direto na faculdade. Na verdade sempre me interessou mais o lado criativo do som, não me interessava tanto tecnicamente, não tinha formação para talvez descobrir o timbre perfeito, o microfone ideal para cada situação. Minha formação é mais voltada na narrativa, então é muito mais sensorial e conceitual do que técnica, então me interessava. Até fiz alguns curtas em que eu fiz todo o processo, captei, editei e mixei, até achei interessante mas por outro lado prefiro muito mais trabalhar sozinho do que na loucura do set. Depois que eu pude, depois que eu já entendi, quando o set já não me trazia mais nada foi que eu parei de trabalhar com set.
GF: Foi mais por uma questão do espaço, do social?
DT: Era legal, era ótimo! Era ótimo você tá editando e ouvir o som direto e ter tanta vontade de xingar o técnico de som, mas não dava porque tinha sido eu mesmo o técnico. Eu lembro que fiz assim e não é como eu gostaria mas também faz parte da cena e eu posso sair por um outro caminho. Te dá uma visão mais completa e um ótimo diálogo com o técnico de som, que nessa situação era eu mesmo.
FH: Eu fiz dois ou três curtas-metragens como técnico de som e só. Não me vi muito no set, os poucos que eu participei eu achei bem chato.
GF: Chato?
FH: Chato. Não é para mim. Não gosto de não ter o controle da situação (risadas). É muito difícil, até por não entender muito o set, por as pessoas não respeitarem… Não é muito minha praia, sinceramente. Em termos de experiência de captação, eu captei muita música, instrumento, eu até tenho uma outra visão sobre captação de som. Independente de ser som de voz no cinema ou um instrumento. Daí acho que entra num outro lado oposto, minha preocupação é total com sonoridade, em que momento pode ter tal ou tal sonoridade. Acho até que todo esse esquema do set é o primeiro gargalo do som, para o som evoluir como linguagem mesmo. Porque a única chance que você tem de captar som num set é colocar um microfone hipercardióide e mais nada. Se você for pensar em capturar um universo de uma cena enquanto som, é medíocre! É você ter uma orquestra e colocar um microfone, indo aos extremos. É muito pouco, muito raso! Toda tecnologia da indústria do cinema se voltou para melhorar a imagem, a luz e nunca ninguém pensou se essa luz pode ser menos ruidosa, e ela pode ser. Se os estúdios de som podem ser completamente sonoros, porque não? Mas não, você vai num super estúdio, Hollywood, milhões de dólares e o cara coloca um microfone. Sendo que você vai numa sala de concerto, estou falando de extremos óbvio, já tem a acústica incrível do lugar e você consegue colocar diversos microfones porque aquilo é pensado para o som. Não que a gente tenha que ter os dois extremos, não um microfone só e não uma sala de concerto para gravar um filme. Mas um não chegou nem perto do outro, não chegou nem perto de um meio termo.
Então acho que a maneira que se produz o som já é muito rasa, muito fraco. E é a partir disso que se desenvolve a linguagem do som no cinema. E tudo que está além disso a galera já fala que é video-arte, linguagem de “não sei que”. É até meio que uma crise que eu estou enfrentando agora, eu nem sei se tenho muito lastro para ficar defendendo essas ideias… Porque que o som não avança no cinema como um todo? Não só no Brasil. E porque que não existem propostas de dentro para fora, eu não tenho visto propostas de som, essa é a verdade, e eu nem sei quais seriam. Porque o gargalo é tão grande, a limitação de um set, a limitação de um esquema de produção de cinema para o som é tão fechado, até por uma falta de conhecimento minha é claro. Mas eu não vejo propostas. Aliás o Guile Martins me disse um dia que num set ele abriu três microfones, um par estéreo e o boom. E pediu para os atores fazerem os movimentos pensando nas ações que emitem sons. Sendo o gesto do ator além do verbal, de que a atuação pode ser feita através dos ruídos. Isso é um gesto tão pequeno mas que já significa bastante coisa. Eu não vejo muita gente falar sobre isso. Você ouve?
GF: Eu estive recentemente com o Danilo Carvalho lá em Parnaíba (PI) e ele é um cara bem libertário nesse sentido, bem apaixonado pela captação de sons e de sonoridades.
DT: Eu vou fazer um pouco da defesa da captação de som como registro da voz o mais incrível possível. Acho que o som de botar o talher no prato seja uma outra lógica de registro muito diferente, completamente imprevisível e que vai misturar com uma lógica de registro que é a fala, que é o seu registro principal e que vai misturar com outros registros de ambientes, de tudo que está ali ao redor. Então som do garfo é um ótimo exemplo porque esse registro pode ser altíssimo e pode ser super baixo. Pode ser super agudo ou pode ser super estalado, pode ser um som feio ou pode ser um som bonito. Pode ser que a porcelana do prato soe mais. É um tipo de controle que a gente tem mais na pós produção para recriar. Mas acho também que é uma questão de ponto de vista. Historicamente, até onde eu sei, tem essas duas escolas, a norte-americana e a europeia, principalmente a francesa, que são bem esses dois polos. A norte-americana é baseada no som direto somente como registro da voz e todo o resto é feito em pós-produção. Boa parte porque eles tem uma ultra estrutura para reconstruir tudo, tem grana para isso, o que significa tempo, dedicação e cuidado técnico nisso. A escola europeia tem um pouco mais essa pegada de tentar entender o universo do som direto e fazer a captação como sendo um universo já em si e não uma coisa puramente técnica…
GF: Queria saber também como se dá a relação de vocês com os diretores dos filmes na fase de pré-producão.
DT: Eu confesso que a gente tem uma grande inexperiência nisso. Houveram momentos em que a gente teria espaço para conversar mais… Assim, em termos de profissionalismo, é zero. Porque não está no orçamento, não está no cronograma, não está no pensamento como produção e como profissional. Mas a gente trabalha com muitas pessoas próximas, então com esses diretores mais próximos nós temos acesso ao roteiro antes, tem como conversar e tal, mas poucas vezes essa conversa realmente muda muito o filme. O momento em que a gente vive hoje é que tem diretores que conseguem pensar bem o som e a gente consegue em cima disso levar adiante porque temos o conhecimento técnico para isso, somos os chefes de equipe nessa área, mas ainda depende muito do diretor. Acho que até pela forma como está constituído o mercado em que o diretor acaba sendo o foco criativo e único valorizado para tudo. Enfim, foram poucas vezes que a gente conseguiu ter um… Eu fiz um curta-metragem agora recentemente com a Gabriela Amaral Almeida que mesmo na correria do curta, sem dinheiro e tudo muito rápido a gente tentou se reunir duas vezes antes dela filmar e conceituou o roteiro inteiro, para todas as cenas tinha um conceito de som. No fim talvez uma coisa tenha sobrevivido que é um objeto que eu falei que tinha que estar na sala para propor um ruído, que foi a coisa mais prática e básica que eu propus. Talvez só isso tenha sobrevivido de todo esse diálogo.
Mas na verdade o que falta é a tentativa de ter esse diálogo mais vezes e ai o nosso conhecimento de conseguir trazer coisas para o roteiro, de fazer com que o diretor abra o roteiro para intervenções externas, abrir a decupagem para uma intervenção de som. Ainda o que eu vejo acontecer na maior parte das vezes, não sei por exemplo o Guile Martins com o Adirley Queirós que tem uma relação mais próxima, é do diretor ter uma preocupação com som, o diretor de arte ter uma preocupação com som… Às vezes o diretor de arte propõe coisas que pro som depois tudo encaixa, porque tem um conceito muito forte de arte, um conceito muito forte de direção em si. Não dialogando já com a gente como cabeça de equipe mas sabendo que aquilo é um audiovisual, sabendo que aquilo é mais que só a imagem. O certo é a gente ter uma reunião com no mínimo o diretor e o diretor de arte. O som vai ser completamente diferente se os objetos utilizados forem de madeira ou de plástico. Ai em diálogo com o fotógrafo, se é um ambiente mais sugestionado, ou se são planos mais fechados. E essa não existe muito, e por não existir a gente mal sabe discutir isso, e por não discutir acaba não fazendo tanto. Então em geral, os trabalhos que a gente faz são filmes que chegam com espaços, com um desejo e a gente dentro desse desejo trabalha e consegue chegar em lugares interessantes. Mas dentro da nossa experiência de mercado não sei como seria.
Nos EUA é assim, o diretor tem um chefe de som que chega desde o começo. Eu acho que no nosso caso no Brasil dificilmente se gastaria com isso, se investiria nisso. Acho que tem um lado prático financeiro que inviabilizaria. Não vejo perspectivas em aprofundar isso. Acho bonito de pensar, quando eu estava na faculdade o Edu também falava que lá fora as coisas são diferentes e eu achava muito legal. Mas ainda na prática isso é muito incipiente, não vejo perspectivas. Não vejo alternativas. Não é algo como ruído de sala, que é incipiente mas que como todo filme tem que ter ruído de sala, todo filme vai lá, tem uma proposta, as pessoas fazem. Algumas fazem de um jeito, algumas fazem de outro mas tem propostas e tem coisas acontecendo. Mas nesse sentido de conversar no roteiro, de conceituar antes, buscar uma interação em que o cara do som, a cabeça de equipe de som esteja desde o começo até o final do processo mesmo não vejo muito nem essa perspectiva de “estamos já tentando”. E eu acho que passa muito, muito pelo lado financeiro nesse caso. Dentro da minha visão de cinema o que falta hoje são produtores. Você tem uma dificuldade muito grande hoje de ter produtores que realmente vão propor alguma coisa nova, que vão trazer uma visão diferenciada. Sinto falta de um filme produzido de um outro jeito. Se você quer um profissional de som pensando desde o início você tem que ter um desenho de produção que contemple isso.